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sexta-feira, 8 de julho de 2016

Estamos em 2016 e esse blog há muito andava esquecido por Aurilânio e eu. Voltamos e com certeza muitos vão se desagradar...que bom, o blog foi feito para desagradar gente medíocre, como já diz no subtítulo.
Poderíamos aqui fazer uma lista de pessoas que não deveriam ler essas postagens, mas vamos acreditar no poder de persuasão destas palavras.
Muita coisa mudou em nós nestes anos longe do blog, mas uma coisa continua a mesma: o desejo de mudar. Contudo o mundo as vezes parece regredir. Nem precisamos (mentira, precisa sim) citar o desastre Temer e o trauma para esquerda chamado PT. A voracidade do capitalismo que a cada dia aumenta o abismo entre ricos e pobres. A politicagem barata que se renova em Morada Nova. E etc, etc, etc...
Mas agora temos novas armas, novos companheiros e companheiras, novas dificuldades. E mais experiência.
Continuamos na luta.

Em breve mais textos...

sábado, 7 de abril de 2012

Ocupamos. E agora?

     Mal tinha começado o ano de 2011 e dois governos ditatoriais haviam sido derrubados por mobilizações populares, no Egito e Tunísia. A Primavera Árabe começava a dar sua cara quando, em maio, o movimento dos indignados tomou a Porta do Sol na Espanha. Assim se seguiu pelo resto do ano: Grécia, Síria, Líbia, Chile, Israel, Estados Unidos e até Brasil foram palco um movimento global de indignação contra o que o geógrafo americano David Harvey chama de “partido de Wall Street”. Depois de decretado o fim da história no inicio da década de 1990 – com o fim da União Soviética e a vitória do neoliberalismo – a roda voltava a girar.

Praça Tahrir, no Egito: um dos principais símbolos da Primavera Árabe. Foto: Mohammed Abed/AFP
     Um ano depois, alguns governos derrubados – e outros ainda em pé – estudiosos tentam entender o que ocorreu. Na Espanha, as livrarias já têm estantes inteiras com publicações sobre o tema. O Brasil acaba de lançar a primeira. “Occupy – movimentos de protestos que tomaram as ruas”, da Editora Boitempo, é uma coletânea de artigos de filósofos, historiadores, geógrafos e sociólogos sobre os movimentos populares que ocuparam as principais praças da periferia ao centro do capitalismo financeiro.
     A maior parte dos textos foi produzida no calor da hora – discursos proferidos em meio às mobilizações ou publicados em veículos de imprensa. O preço (10 reais) só foi possível por conta da cessão de direitos dos tradutores, autores e fotógrafos para a realização de uma obra cujo único objetivo é ser espalhada.
    Um denominador comum aparece em todos os textos: que tipo de estrutura política vai sustentar essa energia de mudança? Os partidos e organizações sindicais servirão como a plataforma necessária para estruturar essa nova esquerda no poder?
    “Na Espanha, houve uma ingenuidade na formulação de propostas e uma recusa a disputar as eleições e ganhar a hegemonia. O que Zizek [Slavoj Zizek, filósofo esloveno e um dos principais expoentes do pensamento filosófico da esquerda mundial, coautor de "Occupy"] chamou de ausência de concretização”, afirma Henrique Soares Carneiro, professor do departamento de história da USP, um dos autores do livro e presente no debate de lançamento a quarta-feira 4, no espaço Cult, ao lado de Edson Teles e Vladimir Safatle, colunista deCartaCapital.
    “Criou-se o que parecia impossível: um movimento espontâneo de organização popular, sem centrais sindicais e partidos no centro, marcado por um profundo desencanto”, afirma Vladimir Safatle, professor do departamento de Filosofia da USP, sobre o movimento que despontou na Tunísia, depois que um vendedor colocou fogo em si mesmo por sentir-se humilhado ao ser espancado pela polícia por não pagar propina.
    “Numa época em que tudo é muito rápido, as ocupações demonstram que a vontade de mudança exige insistência”, explica. Ocupar, e sair só quando alguma coisa mudar.
     Para Carneiro, a esquerda tradicional se incorporou ao poder e tornou-se seu próprio algoz. Os partidos que executaram os piores planos de resgate e permitiram a crise estrutural do capitalismo eram justamente aqueles que se autointitulavam progressistas, como o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol). O fato é que, ao deixarem de se sentir representados e abdicarem da disputa eleitoral, os indignados permitiram que a direita subisse ao poder.
     No caso da Espanha, com a eleição de Mariano Rajoy, do PP (Partido Popular). Na Grécia, foi o próprio partido comunista que defendeu o parlamento da invasão dos manifestantes mais radicais contra a troika.

Democracia real

     Final de 2011, a Grécia à beira do colapso, a população sofrendo a consequências das barbeiragens financeiras de governo e empresários. O então primeiro ministro George Panpadreou afirmava que aprovaria o plano de austeridade – pré-requisito para o pacote de resgate da União Europeia – por referendo popular. A decisão não só chocou os líderes europeus como provocou sua substituição imediata e completamente antidemocrática do poder grego.

Ex-primeiro-ministro grego Georges Panpadreou, rechaçado por querer dar voz ao povo. Foto: Yiannis Liakos/AFP

O que ninguém lembrou na hora é que a medida apenas repetia a atitude do governo islandês três anos antes. Em 2008, a Islândia, ilha fiscal que sobrevivia do capitalismo financeiro, quebrou. Os credores vieram cobrar. O presidente, recorrendo à constituição, garantiu que as medidas de auxílio aos grandes em detrimento de direitos essenciais aos pobres passassem por plebiscito popular antes de sua aplicação.
     Deu “não”, duas vezes.
    “A lógica é simples: decide quem paga a conta”, afirma Safatle, que relembra a história em Occupy. A pequena ilha nórdica é uma das que mais cresce hoje.
     “Austeridade. É como se estivessem tratando com uma criança. É a infantilização de todo um país para justificar as medidas mais absurdas”, comenta.
     Segundo o filósofo, a Islândia deu um exemplo de democracia real ao dar à população o direito de decidir sobre uma questão tão importante. A democracia real foi uma das principais bandeiras dos indignados espanhóis. Se a esquerda tradicional não deu conta de impedir a ação destrutiva do capitalismo financeiro, a extrema esquerda é raquitica eleitoralmente e a classe trabalhadora na Europa, composta em sua maioria por imigrantes, não se organiza sindicalmente, qual o modelo?
   Enquanto Safatle sinaliza para uma estrutura pós-partidária e de um esvaziamento da velha política, Carneiro ainda confia na força de agregação de partidos e sindicatos. Na semana passada, uma greve-geral organizada pelo movimento sindical parou a Espanha e reacendeu a energia de contestação. No Brasil, as grandes greves nas obras do PAC, nas usinas de Jirau e Santo Antônio, principal bandeira do governo de Dilma Rousseff, marcaram o ano de mobilizações no país.
    Aqui, como lembrou o filósofo Edson Teles, coautor do livro, a população ficou ausente desse movimento mundial. Enquanto em vizinhos como o Chile grandes manifestações tomavam as ruas, no Brasil a luta social não foi expressiva – apesar das marchas contra corrupção, o marcha pela legalização da maconha e as lutas localizadas de trabalhadores citadas acima.

Trabalhadores da usina de Jirau sinalizam que as velhas formas de manifestação ainda funcionam. Texto e foto: Luiz Alberto Carvalho

   Segundo ele, isso ainda reflete a estatização das lutas sociais, que começou com as desmobilizações durante a transição democrática, com a vitória da Lei da Anistia, o adiamento das Diretas Já com o governo Sarney e até a Constituição de 1988, que deixou de fora pontos nevrálgicos como a questão agrária.
   Com a instauração do lulismo no poder, afirma, esse processo se intensificou, ao fortalecer as estruturas que o PT sempre combateu.
   Nesse caso, Safatle aposta no potencial de mobilização da nova classe média, quando a conta dos serviços privados de educação e saúde começar a pesar no bolso.

terça-feira, 13 de março de 2012

Sem uma esquerda partidária forte, para onde vai o mundo?


É a questão fundamental de nosso tempo. Para onde caminha a humanidade com a forma predatória e antissocial com que se afirma de forma crescente e acelerada a hegemonia do grande capital financeiro? Com a forma como se afirma a perversidade das austeridades fiscais que sufocam homens e mulheres dependentes de seus empregos e salários com a mesma intensidade com que se transferem recursos públicos infindáveis para os cofres dos que mais responsabilidade têm na geração do caos econômico dos tempos atuais?

O desabafo vem por conta do artigo produzido por um dos yuppies do nosso "livre mercado", Rodrigo Constantino, em artigo produzido no Globo de hoje. Ali ele faz - por via indireta, numa espécie de resenha de um livro típico das bibliotecas "neocon" das organizações fundamentalistas norte-americanas - a apologia da "liberdade individual" absoluta. E o faz, ao fim e ao cabo, através da condenação de um princípio inscrito na Revolução Francesa, ao consolidar o poder burguês contra o absolutismo que marcava o regime monárquico anterior. O faz, transformando a preocupação com o social em marca do autoritarismo; negando a fraternidade como um objetivo a alcançar numa sociedade humanisticamente avançada. A valorização da solidariedade seria uma forma de garantir os incompetentes contra os mais produtivos...

O trágico nisso tudo é que o anseio de restabelecer a ordem natural - a chamada lei da selva em que o predador mais forte consome o mais débil - como modelo social vem se espraiando rapidamente. Faz sentido, na lógica predominante dos governos reacionários das principais potências capitalistas, eleitos em sufrágios universais, e de seus formuladores na grande mídia conservadora. Mas é algo absurdo, se considerarmos o que representa de retrocesso no entendimento que o ser humanos só pode sobreviver dignamente em ambiente social regulamentado. Onde, no mínimo, se garanta a aplicação da Carta de Direitos que gerou a fundação da ONU. Afinal, foi essa a resposta que a humanidade encontrou como melhor antídoto ao advento da barbárie previsível caso tivesse prevalecido a vitória do III Reich nazista, na II Guerra Mundial.

É aí que se impõe a busca de solução ao desafio para as forças sociais que não aceitam esse retrocesso: com que roupa?, como indagaria o saudoso poeta da Vila.

O século XXI se marca pelo ceticismo e pela ausência de participação política daqueles que, no século XX, como segmento social, se engajaram no "assalto ao céu". Os que viram perto a conquista de uma certa utopia, nas processos revolucionários que se iniciaram na Rússia e chegaram a Cuba. Na solidariedade às lutas antiimperialistas na Ásia e na África. Na integração com a vaga anticapitalista e anunciadamente transformadora do 68, na Europa e nas Américas (inclusive nos Estados Unidos, com os Black Panters e as revoltas universitárias). Ceticismo e ausência de participação, ambos cronologicamente instalados com a autodissolução da União Soviética e com os descaminhos dos outrora heroicos processos libertários na China e no Vietnam. E que, se encontram atualmente alguma variável mais otimista com a sobrevivência de Cuba e com o surgimento dos governos bolivarianos na América Latina, se defrontam com a ascensão de uma direita radical que consegue amplas vitórias institucionais, a despeito de alguns suspiros movimentistas sem maiores condições conclusivas, nos principais países capitalistas.

O povo grego está nas ruas. Mas, nas instâncias deliberativas do Parlamento, socialdemocratas se rendem a uma aliança com a direita fascista na submissãos aos ditames da chanceler Merkel. Que consegue, pela opressão financeira e a cumplicidade das classes dominantes dos países europeus, instalar o Reich sonhado por Hitler, com a Gestapo e os campos de concentração.

"Indignados" jovens ocuparam praças da Espanha, mas não conseguiram impedir que seus pais elegessem um primeiro ministro, com maioria reacionária absoluta no Congresso. É o general Milan Astray voltando a se impor a Unamuno, numa nova derrota da República contra o franquismo.

Com que roupa, volta a pergunta, reagimos?

Só há uma saída, e ela tem que ser construída a partir do entendimento sobre o polo unificador das esquerdas anticapitalistas na determinação do sujeito histórico revolucionário de nosso tempo, assim como de seus instrumentos de combate político mais eficazes.

É possível reproduzir o século XX e suas circunstâncias? Certamente que não. É possível pensar em processos insurrecionais a partir do movimentismo espontâneo? Certamente que não. Na Primavera Árabe, não foram os insurgentes progressistas que receberam armas e ajuda da OTAN e dos Estados Unidos, nem recursos e mercenários da Arábia Saudita e do Quatar. Pelo contrário.

As classes trabalhadoras, o segmento produtivo que vive de seu salário, se encontram fragmentadas em torno de diferenças materiais objetivas, no chamado Ocidente. O próprio avanço tecnológico, com predominância do caráter sagrado da propriedade privada sobre a sua função social, produziu o esvaziamento das linhas de montagem e, por consequência, dos próprios sindicatos. Graças à "livre circulação", promovida pela contra-revolução Reagan-Tatcher, indústrias de ponta são transferidas para regiões do mundo onde o trabalho escravo é alternativa de sobrevivência à miséria absoluta. O que transforma antigos núcleos operários, votantes da esquerda socialista ou comunista, em bastiões da xenofobia anti-imigração, e caldo de cultura para o neonazismo.

O quadro não deixa dúvidas quanto à Europa estar muito mais para anos 30 do que para o pós-II Guerra Mundial.

O que cabe à esquerda sobrevivente, a que não se rendeu nem se vendeu, é mergulhar nas potencialidades fragmentadas que a nova conjuntura impôs. Se não temos os grandes meios de comunicação de massa, temos que ir para as redes sociais. E, a partir delas, consolidar os partidos revolucionários em âmbito nacional, com permanente relação internacional. Dar rumo e política à indignação das ruas, mas sem desprezar - pelo contrário, tentando recuperar o espaço - a batalha institucional das urnas. Uma batalha que não pode se limitar a responder à pauta minimalista que a grande mídia conservadora tenta impor. Uma batalha que fundamente a necessidade essencial da desconstrução do regime capitalista como saída única para que a humanidade não mergulhe no caos irreversível da barbárie auto-destrutiva. Consolidando as lutas dirigidas - ambientais, antirraciais, feministas -, mas sem desvinculá-las da visão universal do embate entre classes sociais. Uma feminista de direita pode ser inimiga mais perigosa do que um patrão. Estão aí Tatcher e Merkel para comprovar. Malcom X já comprovava que a luta pela igualdade racial abirgava muito falacioso que não unia a luta pela liberação dos negros à condenação do regime capitalista. E os "verdes" europeus - Cohn Bandit, como exemplo maior, em seus votos no Parlamento continental - estão aí para provar, com reforço dos nossos, que lutar pelo ambiente termina propiciando rendosas alianças com o grande capital.

A esperança não pode falecer, mesmo que tudo leve a dela nos desligarmos. Depende de nós e recorro aqui ao episódio final do "Fahrenheit 451", obra-prima de Truffaut. Do que tratava o filme? De uma cidade onde o corpo de bombeiros existia para incendiar bibliotecas. Para, portanto, apagar o fogo das idéias e manter o status quo. A "ordem constituida" conseguiu muito, mas não tudo. Na últma cena, num acampamento de refugiados clandestinos, um homem caminha declamando Dom Quijote, para que a criança que levava pela mão, repetindo, não deixasse morrer a memória do texto para as gerações seguintes. Venceu, pelo menos até agora, à sua forma.

06/03/2012

Milton Temer é jornalista

segunda-feira, 5 de março de 2012

Estudo acerca da Reforma Agrária em Cuba

Reforma Agrária e subdesenvolvimento: a experiência revolucionária de Cuba

Em 1948, a CEPAL surgiu como novidade no cenário do pensamento econômico mundial. O grupo de economistas reunidos a partir desta peculiar instância da ONU formulou um programa econômico original para a região latino-americana, viabilizado como “programa continental” devido às características estruturais (históricas e produtivas) compartilhadas pelas formações nacionais da América Latina. A principal delas, já identificada por autores marxistas e não marxistas desde o século XIX, era a dependência econômica e cultural que América Latina vivia em relação aos “países do norte”.

O conceito de subdesenvolvimento elaborado pelos economistas da CEPAL é uma chave posteriormente desdobrada pela teoria da economia-mundo (ou sistema-mundo), síntese de Immanuel Wallerstein para a explicar a estrutura e a dinâmica do capitalismo mundial, a partir de seus intrínsecos desequilíbrios internacionais. A teoria do sistema-mundo define com eficiente didatismo os distintos papéis que cada país ou região ocupam no cenário das trocas, da produção e do domínio financeiro. As funções reprodutoras, nacionais e regionais, do circuito de realização do capital em escala mundial (centros, periferias, semi-periferias) expressam uma articulação desigual e combinada.
Apesar de não podermos considerar marxistas os economistas da CEPAL, o organismo absorveu uma forte identidade de “periferia” do capitalismo. Por isso politizou a teoria econômica ainda mais que o keynesianismo. Seu propósito, na década de 50 em diante, passou a ser diagnosticar o cenário macroeconômico latino-americano e formular hipóteses de desenvolvimento que livrassem o continente da condição de dependência estrutural. Em suma, a missão da CEPAL foi desenvolver a periferia a partir do planejamento econômico, se contrapondo à instabilidade gerada pela doutrina liberal. Por isso, alguns objetivos da CEPAL coincidiram com propósitos socialistas.

O subdesenvolvimento pode ser definido, basicamente, por algumas características, das quais destaco quatro. Em primeiro lugar, a herança colonial da economia latino-americana fez perdurar a condição de dependência de um centro dinâmico fora de alcance, localizado nas economias industriais. Apesar de alguns ciclos de industrialização, como no Brasil das décadas de 30 e 50, a tonalidade predominantemente agro-exportadora das economias da região produziu um sistema com alta dependência da flutuação dos preços internacionais e da inelástica demanda dos compradores. Um segundo elemento, é o crescimento desarticulado e desequilibrado das economias periféricas, gerando disparidades sociais sem precedentes. O caráter “espontâneo” do crescimento é a resposta irrefletida às condições favoráveis ou desfavoráveis do centro econômico mundial, e não fruto de demandas endógenas. Essas disparidades possuem forte impacto geográfico: retalham países por dentro gerando permanentes fluxos migratórios. Terceiro, o subdesenvolvimento foi caracterizado por um mercado de trabalho extremamente populoso, como herança histórica do escravismo ou da encomienda: permanente pressão do excedente estrutural de mão de obra sobre os salários. Um quarto fator do subdesenvolvimento foi a tendência à deterioração dos termos de troca. O baixo valor agregado das mercadorias primário-exportadoras gera a ânsia dos grandes produtores para ampliar a produtividade e a viabilidade comercial. Essa tendência produz aumento da oferta, e consequente queda de preços. Ao contrário, os produtos industriais produzidos pelas economias do centro contêm maior valor agregado, e o crescimento desequilibrado das economias periféricas aumenta a demanda para importação, aumentando preços. Esse ciclo descoordenado de crescimento da oferta dos produtos primários e da demanda dos produtos industriais constitui a tendência à deterioração dos termos de troca, que tanto lastima as economias periféricas, as impelindo ao endividamento crônico para “sanar” os déficits comeciais.

Ora, se o subdesenvolvimento esteve definido a partir da divisão internacional do trabalho, na qual as economias latino-americanas ocupavam o espaço primário-exportador, este grupo periférico nunca foi homogêneo. Nos anos de 1960, Celso Furtado (1969: 62-4) define 3 diferentes categorias de países primário-exportadores de nosso continente: os de produtos agrícolas de clima temperado, os de produtos agrícolas de clima tropical, e os exportadores de produtos minerais. Os critérios soam a grosso determinismo climático, mas expressam uma diferença talvez mal nomeada, que foi visível na metade do século passado, entre as periferias latino-americanas. Não serve para análise do presente, mas para visualização histórica das especializações destas periferias. O primeiro grupo, de clima temperado (Uruguai, Argentina), se caracterizaria pelo uso extensivo das terras com a criação de um sistema de transportes que unificou o mercado interno. Estavam integrados aos setores mais avançados da economia mundial, absorvendo tecnologia agrícola da Europa. O segundo grupo, de clima tropical (Brasil, Colômbia, Venezuela, Equador, México, Caribe e América Central, somando mais da metade da população latino-americana) por sua vantagem da maior produtividade da terra, não exigiu o desenvolvimento técnico de infra-estrutura econômica moderna e não absorveu alta tecnologia agrícola como o primeiro grupo. Possuiriam a marca das monoculturas do açúcar, do tabaco, do cacau e do algodão, que em ciclos especializados cresceram e esmoreceram, levando junto o mercado interno criado para alimentar a atividade exportadora. Dadas as exceções (como o café brasileiro), os produtos tropicais não se conectaram a processos substantivos de desenvolvimento do mercado interno. O terceiro grupo, de exportadores de minério (Chile, Perú, Bolívia, México e Venezuela), foi caracterizado por grandes unidades produtivas de alta tecnologia controladas por grupos estrangeiros, que monopolizavam as técnicas avançadas de extração mineral. A pequena exigência de mão de obra separou os grandes empreendimentos extrativos, capitalizados por fora, de um mercado interno atrofiado.

A definição da plantation, como se consagrou na historiografia brasileira com Caio Prado Jr, constitui, uma forma produtiva especializada da função primário-exportadora da periferia do capitalismo. Para o pensamento da CEPAL da década de 60, desmontar progressivamente esta especialização era um passo importante da superação do subdesenvolvimento. O projeto de industrialização por substituição de importações se converteu num potente modelo econômico durante algumas décadas do século XX. Contudo, se foi razoavelmente consensual (entre economistas não ortodoxos) que para desmontar a especialização da plantation era preciso industrializar substituindo importações, nunca ficou tão claro qual seria o melhor modelo de produção agrícola que superasse o subdesenvolvimento.

As reformas agrárias experimentadas na América Latina foram forjadas tão diretamente pela luta de classes que, pode-se afirmar, não possuem relação direta com as elaborações teóricas da CEPAL, apesar de inciderem no desmonte da plantation. As experiências mais substantivas, infelizmente, foram escassas: México, Bolívia e Cuba. Estas experiências reorganizaram o pensamento da CEPAL, abrindo novas hipóteses de desenvolvimento. Celso Furtado explica:

Admitia-se, implicitamente, na linha da experiência clássica europeia, que o setor industrial ao expandir-se atuaria como pólo transformador do conjunto das estruturas tradicionais. A medida que os obstáculos à industrialização se acumularam e que essa última mostrou-se menos eficaz do que se havia esperado como fator de transformação das estruturas, todo um horizonte de novas preocupações se abriu (1969: 308).

As elaborações da CEPAL, relevando-se as divergências, são úteis ao pensamento marxista. Por isso esse “novo horizonte”, sob o olhar marxista, pode ser (livremente) interpretado: como superar o subdesenvolvimento no âmbito da produção agrária, sem mistificar a industrialização, e com vistas à transição econômica para o socialismo? A experiência encarnada mais profunda deste dilema ocorreu em Cuba.

Reforma agrária em Cuba: entre o aumento produtividade e a distribuição da riqueza
Cuba, por seu desenvolvimento tardio como colônia espanhola de altíssimo rendimento, não acompanhou as formações nacionais do século XIX latino-americano. A transferência dos domínios espanhóis diretamente para tutela dos EUA foi nítida desde 1818. Formou-se assim um país que reuniu todas as mais intensas contradições do subdesenvolvimento. Em 1958, as propriedades estadunidenses em Cuba representavam nada menos que 40% da produção açucareira, 90% dos serviços de eletricidade e telefonia, 50% das ferrovias e 23% das indústrias não açucareiras (PERICÁS, 2004: 30).

A primeira medida de desmonte desta estrutura foi a Lei de Reforma Agrária, promulgada oficialmente em 17 de maio de 1959. “A primeira reforma agrária cubana não era ainda socialista”, analisa o primeiro presidente do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA), Carlos Rafael Rodriguez (RODRIGUEZ, 1978: 136). Ainda que a reforma agrária fosse uma medida essencial do novo governo, as condições de produção encontradas em 1959 não permitiam a imediata expropriação das grandes unidades produtivas. A economia da ilha dependia dos engenhos. Por isso, a reforma agrária teria que conciliar a distribuição de terras aos camponeses com a produção em larga escala.

a) A grande unidade produtiva e a questão da produtividade da terra

A transformação da produção rural num agregado de pequenas propriedades camponesas não era compatível com as formas produtivas desenvolvidas em Cuba, dependentes da economia agrária de larga escala. A historiografia produziu algumas elaborações diferentes sobre a correlação entre reforma agrária e revolução socialista. Paul Sweezy e Leo Huberman afirmam que os principais objetivos da reforma agrária em Cuba poderiam ser sintetizados em 4 eixos: primeiro, a necessidade de eliminar a monocultura; segundo, o imperativo do desenvolvimento econômico; terceiro, a realização da justiça social; e quarto, o aumento da produtividade da terra. A experiência cubana, ao conjugar estes objetivos, se diferenciou das outras experiências de reforma agrária, tanto burguesas quanto socialistas. Essa comparação é feita nos seguintes termos:

As reformas agrárias burguesas tiveram sempre como objetivo dividir os grandes latifúndios em pequenas propriedades de camponeses. Ideias mais radicais, pelo menos a partir de Marx, rejeitam essa solução com o duplo argumento de que a agricultura em pequena escala, feita pelos camponeses, é insoluvelmente ineficiente, e constitui inevitavelmente uma força contra revolucionária. A Revolução Russa, porém, mostrou as dificuldades que tem de enfrentar qualquer tentativa de passar diretamente do sistema de latifúndios para alguma forma de agricultura coletiva. Contra a vontade, os bolchevistas russos foram forçados a distribuir a terra a milhões de pequenos camponeses, e somente depois de renhidas e sangrentas lutas sociais, e de inúmeras perdas de colheitas, conseguiram estabelecer o sistema de fazendas coletivas e estatais (1960: 145).

A ineficácia da pequena propriedade agrária foi criticada por Karl Marx em seu breve texto de 1872, “A Nacionalização da Terra” (1982). Nele, Marx afirma que “o conhecimento científico que possuímos e os meios técnicos de agricultura que dominamos, tais como maquinaria, etc, não podem ser aplicados com êxito senão cultivando a terra numa larga escala”. A partir da identificação feita entre a grande unidade agrária e o maior desenvolvimento das forças produtivas, Marx chega a afirmar que a ordem latifundiária da Inglaterra está mais perto da nacionalização progressiva da terra do que a estrutura agrária retalhada da França.

Entretanto, as revoluções reais da URSS à China se caracterizaram pelo retalhamento da terra em pequenas propriedades, uma demanda histórica profunda e incontida dos camponeses que protagonizaram as ações políticas destas revoluções. Isso consolidou uma visão “tradicional” etapista da reforma agrária socialista: primeiro o retalhamento, depois a coletivização. Mas Cuba surpreendeu a tradição, porque não houve grande demanda pelo retalhamento total da terra e houve preservação da grande unidade produtiva.

Apesar da reforma agrária em Cuba preservar a grande unidade produtiva, a distribuição de terras teve enormes proporções. O capitalismo cubano subutilizava largas extensões de terras que, ociosas, serviam a dois propósitos: como reserva exploratória para investimentos futuros e reserva especulativa no mercado internacional. Fidel Castro afirmou em 1953, durante o célebre julgamento pelo ataque ao quartel de Moncada, que havia 1,5 bilhão de dólares de capital inativo em Cuba e que a ilha poderia manter uma população três vezes maior em condições de igualdade social (apud SWEEZY; HUBERMAN, 1960: 66-67). Em março de 1960, segundo relatório de Nuñez Jimenez, havia 250 mil acres (aproximadamente 100 mil hectares) não cultivados que foram integrados à produção com vistas à substituição de importações (apud HUBERMAN; SWEEZY, 1960: 150). Segundo Celso Furtado, a CEPAL avaliou que cerca de 25% da capacidade da indústria açucareira cubana antes da revolução estava propositadamente ociosa, com fins especulativos (FURTADO, 1969: 349). Isso porque o valor da renda da terra seria, segundo Furtado, proporcionalmente maior que os ganhos da produção na mesma terra, de modo que era mais lucrativo aos capitalistas cubanos o uso especulativo da estrutura agrária, do que o seu uso produtivo.

Uma das medidas imediatas da Lei foi a universalização do minifúndio: a propriedade de 2 caballerias de terra fértil passou a vigorar oficialmente como “mínimo vital” para uma família de 5 pessoas1 e foi garantida gratuitamente pelo novo governo. A capacidade ociosa da terra convertida pela reforma agrária em capacidade produtiva é responsável pelo salto de produtividade que os primeiros anos de socialização da economia representam em Cuba. A produção de arroz, tomate, milho e feijão aumentaram extraordinariamente de 1958 a 1962,2 como efeito da política de substituição de importações agrícolas.

Há um impasse entre grande unidade produtiva e pequena propriedade na reforma agrária cubana? A grande unidade produtiva foi reflexo da necessidade de desenvolvimento econômico através de uma hipótese de “acumulação socialista” de riqueza. A pequena propriedade representou a ruptura com o sistema fundiário neocolonial, garantindo o direito efetivo de acesso à terra às famílias camponesas. Por trás deste impasse há modelos de desenvolvimento. Celso Furtado define que a economia de transição em Cuba possui uma fase “redistributivista” e outra “desenvolvimentista”. São diferentes regimes de acumulação, contraditórios, porém implementados com vistas a objetivos comuns. Para Furtado, há uma contradição estrutural entre estes caminhos, pois:

A revolução cubana começara por redistribuir a renda com vistas a elevar o nível de consumo da grande massa da população, o que significa que, não apenas a taxa de investimento não se elevaria, mas também que a capacidade para importar liberada pela redução de consumo das classes ricas foi absorvida pela importação de bens de consumo de uso geral, ou de produtos intermediários e matérias primas para produzi-los dentro do país (FURTADO, 1969, p. 345).

Além da melhor forma de uso dos recursos agrários, outra grande questão da reforma agrária em Cuba foi a forma de gestão econômica da transição. Tanto a forma de uso das forças produtivas existentes no campo, quanto a administração destes recursos para a transição econômica são polêmicas estratégicas para o governo revolucionário.

b) Centralismo ou flexibilização: o debate da transição econômica em 1963-64

Em 1963 e 1964, um debate econômico estratégico polarizou o governo cubano e atingiu patamar internacional. A divergência fundamental estava ligada à relação da lei do valor e do cálculo econômico mercantil com a economia socialista em gestação. A polêmica dividiu o governo, e instaurou um embate sobre estratégia e possibilidades da economia socialista em países subdesenvolvidos com predominância agrária. De um lado, estavam Ernesto Guevara (ministro das Indústrias), Luis Alvarez Rom (ministro das Finanças), Miguel Cossío, Alexis Condena e Mario Rodriguez Escalona. Junto deles, Ernest Mandel. Do outro lado, estavam Alberto Mora (ministro do Comércio Exterior), Marcelo Fernandez Font (presidente do Banco Nacional), Juan Infante e Carlos Rafael Rodriguez (presidente do INRA), além de Charles Bettelheim. A polêmica se concentrava em 4 pontos. Primeiro: a forte centralização do planejamento econômico do sistema orçamentário de financiamento (SOF), elaborado por Guevara de acordo com o centralismo administrativo da NEP, estava sendo criticada por dirigentes que defendiam maior flexibilidade produtiva, através da auto gestão e auto financiamento das unidades econômicas. Segundo: a centralização do SOF diminuía ao máximo o uso do cálculo econômico e das categorias mercantis, uma vez que o Estado era o único detentor de um enorme aparato produtivo e as demandas de cada setor poderiam ser supridas de acordo com o plano, sem a ferramenta do valor de troca. A flexibilidade defendida implicava no uso do cálculo econômico entre as empresas do Estado, na restauração parcial do valor de troca e das relações mercantis. Terceiro: a centralização exigia controle dos preços administrado pelo Estado. A flexibilidade implicava na lei da oferta e da procura. Quarto: os defensores do centralismo administrativo se posicionaram contra a adoção dos estímulos materiais aos trabalhadores para aumento da produtividade, e a favor da prioridade dos estímulos morais. Aqueles que defendiam a flexibilidade da transição acreditavam que os estímulos morais eram idealismo, e os estímulos materiais eram necessários para o incremento da produção.

No geral, a historiografia diverge sobre quando o modelo centralista de gestão do SOF foi alterado, e até mesmo em que medida foi alterado. Celso Furtado escreve que em 1964 há uma significativa mudança no modelo de desenvolvimento que passa concentrar mais investimentos no açúcar, configurando uma proposta monocultora vinculada às vantagens comerciais de Cuba com o bloco socialista, especialmente a União Soviética (1969: 349). Ou seja, a política de diversificação produtiva se ameniza para abrir mais espaço econômico ao açúcar. De fato, em 1964 foi criado o Ministério da Indústria Açucareira e estabelecido o acordo comercial de 5 anos de progressivo aumento da venda de açúcar cubano para a URSS.

Ernest Mandel acredita que faltam dados a respeito do desmantelamento do SOF e não arrisca nenhuma periodização da gestão econômica (1982: 169). Florestan Fernandes diz: “as cooperativas e seus conselhos administrativos se converteram em último elo da cadeia e não transmitiam decisões, obedeciam-nas e as punham em prática” (2007: 185). Admite, assim, a vitória do centralismo como fato mais relevante da realidade produtiva. Michael Lowy também defende que a proposta centralista do SOF foi vitoriosa, já que Fidel Castro apoiou o modelo em discursos públicos em 67 e 68 (1999: 99). Mas Carlos Rafael Rodriguez, presidente do INRA à época, afirmou que o centralismo administrativo do SOF não era a melhor forma de gestão da produção rural, já que “a agricultura exige soluções cambiantes, de mês a mês, de dia a dia, e às vezes de hora a hora. Nenhum regulamento pode substituir a iniciativa consciente e técnica derivada da análise e experiências locais” (apud MANDEL, 1982: 274). A crítica programática de Rodriguez ao SOF ainda não é suficiente para conhecermos com rigor científico as formas de produção estabelecidas de fato no campo e suas modificações. Sweezy e Huberman (1960: 153-155), diferentemente de Lowy e Fernandes, afirmam que a cooperativa cubana detinha seu próprio excedente, e não o depositava ao Estado, como determinava o SOF.

A transição em Cuba, não bastasse ser um dilema histórico por si mesma, se deu em meio a uma encruzilhada do mundo do socialismo real. A URSS, de 1954 a 1964, esteve sob a liderança de Nikita Khrushchov, aliado de Yevsei Liberman. Trabalharam juntos pela flexibilização da economia soviética, a partir de medidas como autonomia financeira às empresas, instauração da concorrência, repartição do lucro como incentivo aos trabalhadores, salários vinculados à lucratividade, impostos sobre a propriedade, novas técnicas de marketing, estímulo ao consumismo, re-instauração lei do valor como critério produtivo. Essa política descentralizadora foi chamada de “Libermanismo” (PERICÁS, 2004: 95). A retórica oficial que acompanhou esta reforma econômica foi um espelho invertido da realidade: seriam os passos de transição do socialismo ao comunismo? Uma nova etapa em que o poder econômico retornava diretamente aos trabalhadores e o Estado se tornava menos importante como agente planejador? Não. O desmonte do centralismo autoritário da economia soviética parece ter, mais que qualquer outra coisa, criado condições favoráveis à forma de produção tipicamente capitalista.

A reforma agrária em Cuba se enredou totalmente neste debate. Qual seria a melhor forma de gestão econômica da propriedade agrária na transição ao socialismo? O presente artigo não pretende responder a isso. Pelo contrário, elaborar a pergunta profícua talvez seja o objetivo mais desafiador da ciência histórica.

Notas

1. Cada caballeria equivale, aproximadamente, a 13,45 hectares. (FERNANDES, 2007: 59). Os dados de Luis Bernardo Pericás diferem: ele fala em 2 caballerias por pessoa (PERICÁS, 2004: 36).

2. Arroz: de 163 mil para 300 mil toneladas; tomates: de 44 mil para 116 mil toneladas; milho: de 134 mil para 257 mil toneladas; feijão: de 33 mil para 78 mil toneladas (FURTADO, 1969: 342).


Bibliografia

FERNANDES, Florestan, Da guerrilha ao socialismo – A revolução cubana. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

FURTADO, Celso, Formação Econômica da América Latina. Rio de Janeiro: Lia Editor, 1969.

GUEVARA, Ernesto, Textos Econômicos. São Paulo: Edições Populares, 1982.

HUBERMAN, Leo; SWEEZY, Paul M., Cuba: anatomia de uma revolução. Trad.: Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1960.

LOWY, Michael, O pensamento de Che Guevara. São Paulo: Expressão Popular, 1999.

MARX, Karl, A Nacionalização da Terra. Trad. do inglês: José Barata-Moura Lisboa: Progresso, 1982.

MANDEL, Ernest, “O debate econômico em Cuba durante o período de 1963-1964”. In: GUEVARA, Ernesto, Textos Econômicos para a transformação do socialismo, São Paulo: Edições Populares, 1982.

PERICÁS, Luiz Bernardo, Che Guevara e o debate econômico em Cuba. São Paulo: Xamã, 2004.

RODRIGUEZ, Carlos Rafael, Cuba en el transito al socialismo (1959-1963). México: Siglo XXI, 1978.


* Historiadora e Mestranda em Desenvolvimento

Econômico (UNICAMP)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Os novos soldados do capitalismo



Na madrugada de terça-feira, durante o assalto ao acampamento do Occupy Wall Street, a polícia de Nova York adotou métodos primitivos. A entrada da imprensa na área da operação polícial foi vetada. Ydanis Rodriguez, um membro do parlamento local, foi agredido e preso, quando tentava encontrar-se com os manifestantes. Houve mais de 200 prisões, uso generalizado de gás pimenta e golpes de cassetete. Uma biblioteca de 5 mil livros foi atirada a um contêiner de lixo.

Mas estas cenas de brutalidade são apenas um aspecto menor da operação. Notícias publicadas ontem (15/11) nos jornais norte-americanos, e análises de mais fôlego na imprensa alternativa, revelam algo mais grave. Articulou-se nas últimas semanas, nos Estados Unidos, um esforço policial coordenado, com objetivo de suprimir um movimento que, embora tenha sempre agido de modo pacífico, passou a ser encarado como uma ameaça ao status quo. A investida contra o Occupy reflete a militarização das forças de segurança dos EUA, cada vez mais voltadas a identificar e combater “inimigos internos” — e equipadas com sofisticado armamento “high-tech” contra eles.

Embora a decisão de desocupar praças caiba, institucionalmente, aos prefeitos, a ação policial está sendo tramada nacionalmente. Mais de 40 chefes de polícia das cidades em que o Occupy montou acampamentos mantiveram reuniões constantes nas últimas semanas, muitas vezes por meio de videoconferências. O objetivo dos encontros foi trocar informações sobre as formas mais eficazes de promover a desocupação. Pretende-se evitar, sobretudo, episódios constrangedores para as forças da ordem, nos quais a resistência pacífica as obriga a recuar.

O planejamento foi especialmente meticuloso contra o Occupy Wall Street, revelou o New York Times. Houve duas semanas de treinamento, mas os policiais envolvidos não foram informados, em nenhum momento, sobre o alvo e as circunstâncias de sua futura ação. Temia-se a mobilização social. Uma tentativa anterior de esvaziar o acampamento, em 14 de outubro, fracassou porque, informados previamente, os manifestantes conseguiram convocar apoio.

O último treinamento foi feito na noite de segunda-feira, 14/11. Mesmo então, segundo o jornal, não se mencionou o Zucotti Park — ou Praça da Liberdade, como foi rebatizada pelos acampados. Na convocação dos policiais falou-se apenas em “um exercício”. A decisão de atacar o Occupy foi comunicada “apenas no último momento”.

Centenas de agentes foram mobilizados. O momento da operação foi escolhido meticulosamente. Sabia-se, depois de semanas de observação, que na madrugada de segunda para terça-feira o acampamento estaria mais vazio. O parque foi isolado por barreiras de policiais armados com escudos. No momento da desocupação, não era permitido aproximar-se a menos de cem metros do local. Os jornalistas que já estavam na área foram retirados: a polícia alegou que desejava proteger sua “segurança”.

Que leva a polícia de um país que se orgulha de respeitar as liberdades civis a se voltar para a repressão contra protestos pacíficos? Num texto publicado também ontem, no siteAlternet, Heather “Digby” Parton, uma blogueira norte-americana premiada pela profundidade de suas análises (publicadas costumeiramente em Hullabaloo), procura as respostas. Ela as encontra, principalmente, no que vê como três décadas de militarização das forças policiais norte-americanas. Primeiro, para enfrentar a chamada “guerra contra as drogas”; mais tarde (a partir do 11 de setembro), para a vigilância interna, adotada a pretexto da “guerra contra o terror”.

Desde 1980, reporta “Digby”, a polícia norte-americana tem sido preparada para assumir um número crescente de atividades de caráter mais tipicamente militar. Esta mudança se expressa em aspectos como o armamento e os uniformes policiais. Equipamentos como os fuzis M-16 e veículos blindados tornaram-se comuns – inclusive em unidades instaladas nos campi universitários.

A partir de 2001, esta tendência assumiu nova dimensão. As forças policiais foram envolvidas na vasta operação do governo Bush para ampliar a vigilância sobre os cidadãos. A lei “Patriot Act”, até hoje em vigor, permitiu violar o sigilo de comunicação e rastrear as operações financeiras. Criado na época, o Departamento de Segurança Interior (Department of Homeland Security) passou a coordenar as ações de espionagem interna. Tornou-se, rapidamente, a terceira maior agência estatal dos EUA. Tem orçamento anual de 55 bilhões de dólares. Horas após o ataque contra Occupy Wall Street, o cineasta Michael Moore lançava, pelo Twitter, uma questão ainda não respondida: terá o departamento participado da operação contra os manifestantes?

Ainda mais importante, introduziu o conceito de “terrorismo doméstico”, orientando as forças da ordem não apenas contra os crimes tradicionais — mas contra um leque amplo e impreciso de atividades, que pode facilmente incluir a oposição política. As consequências foram explicitadas em 2006 por Joseph McNamara, ex-chefe de polícia de San Jose. Ele afirmou que o novo cenário havia produzido “uma ênfase em treinamento paramilitar, que, em contraste com a antiga cultura, sobrepõe-se ao treinamento policial — segundo o qual os policiais não deveriam atirar, exceto para se defender”.

Um dos aspectos mais controversos da nova postura foi a utilização costumeira de armas consideradas “menos-letais”. Digby conta que os teasers (que produzem choques elétricos e podem, em certas circunstâncias, matar) são apenas a ponta de iceberg de um vasto arsenal — utilizado, por enquanto, apenas em situações de treinamento. Ele é inteiramente voltado para a dispersão de protestos. Inclui, por exemplo, o ray gun. Posicionado no alto de um veículo e disparado contra uma manifestação, ele produz, nos que estão à frente, a sensação de um “soco invisível”, que provoca intensa dor e impede de continuar caminhando. Sintomaticamente, foi testado, em exercícios na Geórgia, contra soldados vestidos de manifestantes que portavam cartazes com dizeres como “Paz Mundial”, “Amor para todos” e “Paz, guerra não!”.

Ainda mais espantosos são os planos para desenvolver armas como teasers com alcance de cem metros ou, mesmo, aviões não-tripulados (“drones”) capazes de criar grandes “áreas de exclusão” ao bombardeá-las com dardos virtuais que produzem choques elétricos. (Para descrição das armas, Digby baseou-se numa extensa reportagem de Ando Arike, publicada na revista Harper’s e disponível aqui, em versão pdf).

Ao final de seu texto, Digby debate uma questão política crucial. A militarização da polícia foi impulsionada no período imediatamente posterior aos ataques de 11 de Setembro. Na época, o choque provocado pelo terror e a onda de patriotismo que se seguiu garantiram amplo consenso social em favor das medidas de vigilância. O secretário de Defesa (e depois vice-presidente) Dick Cheney chegou a afirmar que “o Estado precisa tirar suas luvas”.

Este tempo passou. Numa época em que o terrorismo deixou de ser uma ameaça visível e crescem, em contrapartida, os protestos contra a desigualdade, o desemprego e o esvaziamento da democracia, qual será a conduta das forças policiais agora orientadas também contra alvos que podem incluir a dissidência civil, e dotadas de novo armamento? Como elas agirão, se os novos movimentos recusarem-se a receber ordens — que julgam ilegítimas — para refrear seus protestos?

As respostas estão em aberto. O que ocorreu em Nova York em 15/11 não é uma fatalidade, mas serve de alerta. Se a construção de uma sociedade mais justa inclui manter e ampliar as liberdades civis, então será preciso conhecer em profundidade, denunciar e reverter esta nova ameaça de desconstrução da democracia.

*Antonio Martins é jornalista e editor de Outras Palavras

sábado, 8 de outubro de 2011

REM se despede: o fim de uma grande banda


   'A qualquer pessoa que se sentiu tocada pela nossa música, nossos maiores agradecimentos'. Foi assim que o grupo REM anunciou o término de suas atividades, após 31 anos de carreira. A lacônica despedida postada no dia 21 de setembro no site oficial foi inversamente proporcional à importância que a banda ocupou no cenário do rock nas últimas décadas.

O REM deixa assim os palcos para entrar na história da música. Não só pela qualidade das canções, mas pela integridade de sua carreira. O nome vem de ‘Rapid Eye Movement’, o estágio mais profundo do sono. Surgida na pequena Athens, na Geórgia, mesma cidade de grupos como B-52’s, a banda teve início em 1980 quando o então estudante de arte Michael Stipe se uniu a outros amigos como o baixista Mike Mills, o guitarrista Peter Buck e o baterista Bill Berry a fim de tocar no efervescente circuito universitário da região.

A banda se tornaria marco do que viria a ser conhecido como ‘college rock’, ou simplesmente ‘rock alternativo’, que se proliferava através das estações de rádio dos campi universitários, principalmente dos EUA e Canadá. Influenciados por diferentes estilos como o punk, o pós-punk e o New Wave, esse circuito era a alternativa aos artistas que buscavam liberdade de criação por fora do ‘mainstream’.

O rock direto, em até certo ponto simples e de letras inteligentes que se emolduram perfeitamente na bela voz de Stipe, ganhou notoriedade e respeito nesse meio. As letras do REM sempre foram repletas de críticas, principalmente ao governo. No álbum Document de 1987, por exemplo, a música ‘Exhuming MacCarthy’ (‘Exumando McCarthy’), atacava o presidente Ronald Reagan, envolvido na época com o escândalo dos ‘Irã-contras’, que Stipe na música compara ao mccartismo.

Apesar de já contar nos ano 80 com uma sólida carreira no underground e vários sucessos, foi com ‘The One I Love’ que o grupo assinou um contrato com uma grande gravadora e foi considerada, em 89, a melhor banda de rock dos EUA. No entanto, enquanto alguns grupos vêem sua criatividade escorregar enquanto escalam a montanha da fama, deixando-se levar pela pressão comercial e formatação imposta pelas grandes gravadoras, o REM parecia imune a isso.



Em 1991, lançam o que seriam seu mais conhecido álbum, o ‘Out of the time’, com seu maior sucesso, ‘Losing my religion’. Numa época em que proliferavam os ‘clipes’, insuflados pela MTV, o vídeo da música se tornou um dos mais conhecidos da história. ‘Losing my religion’ é uma expressão típica do sul dos EUA, que significa ‘perder a paciência’, ‘ficar no limite’ e, segundo Stipe, se refere a um amor não correspondido, uma obsessão.

Apesar disso, o vídeo da música com versos como “That's me in the corner/That's me in the spotlight/Losing my religion” “Aquele sou eu no canto/Aquele sou eu na luz/Perdendo minha religião” chegou a ser proibido em alguns países. O diretor do vídeo, o indiano Tarsem Singh, inspirou-se em pintores como Caravaggio, o próprio Michelangelo e em diretores como Tarkovsky para criar uma verdadeira obra-prima.

Outro sucesso do mesmo álbum foi o ‘alegre’ ‘Shiny Happy People’, canção gravada com a vocalista do B-52’s e de tom marcadamente irônico que, segundo alguns, faz referência ao massacre da Praça da Paz Celestial ocorrido dois anos antes. Já no ano seguinte o grupo lança o Automatic for the People, com músicas como ‘Man on the Moon’ e a bela e triste ‘Everybody Hurts’, cujo vídeo é outro primor, mostrando que é possível perfeitamente conciliar uma boa canção pop a um ‘vídeo clipe’ elaborado.

Mesmo que no esquema das grandes gravadoras, o REM atravessou a década de 1990 quase como uma ilha de originalidade em meio ao mar de mediocridade que dominou o cenário do rock no período, excetuando o efêmero fenômeno grunge de Seattle. Não por acaso, Kurt Cobain era fã declarado da banda de Stipe. E assim seguiu por toda a década seguinte, o grupo agora já transfigurado em baluarte do rock.

Michael Stipe, em 2008, fez questão de assumir plenamente sua homossexualidade. Disse que antes não entendia no que isso fosse interferir na vida das outras pessoas, mas depois percebeu que o ato poderia ajudar as outras pessoas na mesma situação e na luta contra a homofobia.

Na justificativa para o derradeiro comunicado oficial da banda, Stipe afirmou que um sábio sabe a hora de se retirar de uma festa. O REM, assim, sai de forma digna da história da música pela porta da frente, ao contrário de outros grupos que vêem na atividade um mero caixa eletrônico para sacar dinheiro a cada dois ou três anos. Mostrou que a massificação imposta pela grande indústria fonográfica não é capaz de acabar com a inteligência e a originalidade de belas canções.

Sem mistificações, foi uma grande banda e que fará falta. Principalmente aos milhões de pessoas que ‘se sentiram tocadas’ por suas músicas nas últimas três décadas.

Fonte: http://www.pstu.org.br/cultura_materia.asp?id=13389&ida=20

sexta-feira, 16 de setembro de 2011




Carta aos jovens brasileiros

*Plínio Sampaio


Pediu-me um dos seguidores do meu twitter que escrevesse uma carta dirigida aos brasileiros jovens.
Não me sentiria autorizado a fazê-lo, se não estivesse recebendo tantas manifestações de apoio como tenho recebido desde a campanha eleitoral.


Propostas tão mal recebidas pelas pessoas maduras, foram acolhidas com entusiasmo pelos jovens e pelas pessoas idosas.


Curiosa esta fissura entre a juventude e a velhice e as pessoas que estão no comando do país. Demonstração evidente de que os dirigentes não o estão conduzindo corretamente e prenúncio de importantes modificações políticas.


O que posso dizer a vocês, jovens, em retribuição ao apoio que me têm dado?
Penso que devo apenas repetir o que falei nos debates: ninguém consegue ser feliz em uma sociedade tão desigual como a nossa.


A solução para essa desgraça é uma só: substituição do poder burguês pelo poder popular. Isto se chama: socialismo.


O jovem vive um período de formação.


Sua maior contribuição para o socialismo, nesse período, é o estudo da nossa realidade e da teoria marxista.
Estudo não quer dizer apenas leitura de livros. Exige igualmente experiência, ação, participação nos assuntos importantes da sociedade.


É isto que gostaria de pedir a vocês. Cuidem da sua formação intelectual, porque o Brasil precisa de gente preparada, mas cuidem igualmente da formação que se obtém na prática, na ação.


Coloco-me inteiramente à disposição da juventude brasileira, para colaborar na construção de uma sociedade igualitária, justa e democrática – uma sociedade socialista.


Vamos, juntos, revolucionar este país!



*Plínio de Arruda Sampaio divulgou este texto em 9 de fevereiro de 2011. A pedidos o reproduzimos.